domingo, 31 de outubro de 2010

Domingo, 26 de setembro de 2010 - Breve nota sobre um breve encontro.

Andando pela rua durante a manhã, a caminho do trabalho, eu já estava pensando em ir para casa. Eu já estava imaginando o meu retorno ao meu novo apartamento que eu estava amando decorar, pois era quase uma terapia. Eu estava chegando no metrô quando o vi.

Cerca de 1,85m. Cabelos curtos e pretos, num comprimento perfeito para se puxar. Corpo magro, mas não muito - um pouco forte eu diria. Pele clara, um rosto marcante, perfeito. Não tinha barba, possuia lábios finos e olhos azuis - incrivelmente azuis. Seu jeito de andar chamava a atenção. Ele era interessante, um homem charmoso e incrivelmente sedutor. Usava terno preto, e por baixo uma camisa de cor vinho, quase sangue.

Caim passou do meu lado, sorriu para mim me cumprimentando, mas continuou a andar. Eu, por outro lado, fiquei tão aturdida com essa visão que fiquei parada na calçada, como que admirando o vazio. Olhei para trás, e ele olhou também fazendo um aceno com o braço, o qual retribui. Ele percebeu meu embaraço, e pela segunda vez, enrubesci pensando nele.

Não poderia ser o mesmo motorista de táxi que eu só tinha visto - até então - duas vezes na minha vida, mas que já fazia parte dela como se nos conhecessemos há séculos.

sábado, 30 de outubro de 2010

Quinta-feira, 23 de setembro de 2010 - Reencontro

Sai do trabalho cansada, desmotivada e sem rumo. Não queria ir para a casa. Na verdade, eu não queria ir para a casa da minha mãe, pegar minhas coisas e levar para meu apartamento novo - eu nem tinha transporte adequado para isso! Foi chutando pedrinhas na calçada e absorta em meus devaneios que nem percebi o carro que me seguia. Era um táxi.


Quando o farol fechou e fui atravessar, o motorista do táxi buzinou e "piscou" para mim com os faróis do carro. Como reconheci o Caim em meio a tantos pensamentos, ainda me é um mistério. Acenei para ele, e como o carro estava vazio, entrei.


- Não é muito cedo para você dirigir?
- Não, porque diz isso? Ah, aliás, boa tarde para você também!
- São 16:00! Como você sai à luz do dia por ai?
- O que quer dizer?
- Você é um Vampiro.
- Ah, eu sou?
- Sim é. Tentou me morder uma outra noite, não foi? Ou você é um Vampiro ou é tipo... Um "wannabe" de Vampiro!!
- Se você diz que eu sou...
- Não tenho medo de você!
- É, noto isso. Fico contente que tenha algum tipo de afeto por mim a ponto de não me temer!
- Não sinto afeto por você! Deus, você é um Vampiro, como posso ter afeto por um morto vivo?!
- Ah, não sente afeto mas gosta de estar no meu carro!
- Bem, não é todo dia que se conhece um Vampiro que dirige um táxi! Um Vampiro que anda durante o dia, ainda! Você não pode ser um Vampiro!
- Você disse que eu sou.
- Mas não pode ser, Vampiros não andam durante o dia! Mas você bem que se parece com um...
- E então, já decidiu o que eu sou?
- Não. O que você é?


Ele não me respondeu, e limitou-se apenas a sorrir. A nossa discussão sobre o que ele era continuou até a casa da minha mãe.


- Como sabe que eu vinha até aqui?
- Bem, foi o endereço que você me deu naquela noite.
- Você me segue???
- Não. Mas posso segui-la se quiser.
- Se me seguir, eu chamo a policia.
- Não, não chama.


Eu não chamaria, e ele sabia. Desci do táxi, entrei na casa da minha mãe e peguei algumas caixas. Caim me ajudou a guardá-las no porta-malas, e levou-me para meu novo endereço, que nem era tão longe dali. Quando me dei conta, minha mão estava sangrando um pouco. Devo ter me machucado em uma das caixas. Felizmente não era algo grave, então o sangue não chegou a escorrer tanto. Quando chegamos ao meu apartamento, ele me ajudou com as caixas até a sala, e antes de ir embora retomamos a discussão do começo da tarde.


- Posso?
- O que?
- Cuidar desse machucado para você.
- Não é nada grave, mas obrigada. Devo ter arranhado em alguma caixa.
- Entendo.
- Não me olhe assim! É só um arranhão, nem sangrou muito! Vire esses olhos para lá, parece que quer me devorar!
- De certa forma... Eu bem que fico tentado.
- Oh meu deus! E você diz que não é um Vampiro!
- Não, você diz que eu sou um Vampiro.
- Você quer me comer! Você quer meu sangue!
- Quero, não nego.
- Viu como você é um Vampiro?
- Eu disse que quero, mas você sabe que não consigo.
- Se fosse um Vampiro, já teria me matado naquela noite.
- Sim. Mas não consegui.
- Por que?
- Você me entriga. E eu não sei porque. Mas eu vou descobrir.
- Você vai me morder um dia?
- Você quer que eu morda?


Enrubesci. Desde o nosso primeiro encontro, eu fantasio com a sensação de tê-lo mordendo meu pescoço. Ele riu vendo meu embaraço, aproximou-se, e com sua mão gélida como mármore segurou meu queixo. Eu não conseguia me mover, era como um transe observar aqueles olhos azuis tão claros. Por um momento achei que ele ia me beijar. Mas ao invés disso, sabendo com certeza que iria me provocar, beijou meu pescoço. Lábios frios como gelo que arrepiaram toda a minha nuca enquanto eu esperava uma mordida que nunca veio.


Ele sorriu mais uma vez, despediu-se e partiu.
E eu fiquei ali, parada, no meio da sala. Vampiro ou não, Caim era algo mais do que um simples motorista de táxi.

Quarta-feira, 22 de setembro de 2010, Caim

Saí do metrô, olhei para o relógio e vi que já era quase 1:30 da madrugada. O calor que havia feito o dia todo tinha desaparecido completamente, e uma garoa fina trouxe uma leve neblina e um frio denso. Eu não tinha guarda-chuva e nem um casaco. A última coisa que eu queria era cair de cama, doente, por causa de uma mudança climática bizarra.

Avistei um táxi e fiz um sinal rezando para todos os deuses que estivesse vazio. O motorista estacionou ao meu lado, saiu do táxi, olhou para mim, sorriu e me disse:

- Senhorita, por favor.

Ele abriu a porta do carro para que eu entrasse, com um cavalheirismo assustador para o século XXI! Sentei no banco de trás, oposto ao do motorista. Ele fechou a porta, deu a volta, sentou ao volante e fechou a própria porta.

- E então, para onde posso levá-la? Gostaria de ouvir um pouco de música?

Dei o endereço e aceitei a música. Tanta cordialidade estava começando a me assustar. Ele ainda perguntou se eu tinha alguma objeção com músicas eruditas, e eu disse que não havia problema nenhum. A garoa transformou-se em chuva grossa, quase tempestade. E o vento havia piorado.

- A senhorita teve sorte por eu ter aparecido na hora em que a garoa se transforma em chuva!
- Sim, dei! Obrigada por estar acordado a essa hora! Foi muita sorte encontrá-lo e ainda sem passageiros!
- Não precisa agradecer! Sou um cavalheiro da noite! É meu trabalho levar as pessoas ao seu destino final!

Comecei a pensar comigo mesma que a situação era estranha. A rua estava muito escura, a chuva piorava a visibilidade, e o taxista ainda usava óculos escuro. Fora a melodiosa música, e a cordialidade fora de época dele.

- Desculpe senhor, mas nem pergutei seu nome para agradecê-lo apropriadamente!
- Meu nome? Lhe darei um cartão meu, assim pode me ligar sempre que precisar de um táxi para os horários mais impróprios!
- Sim, por favor!

Era meio esquisito estar naquele táxi, mas eu me sentia bem. Tão bem que eu nem me recordava mais da chuva do lado de fora do carro. O motorista me deu o cartão, e nele tinha apenas um nome e um telefone. Não havia o nome da empresa para a qual ele trabalhava.
Antes que eu pudesse questionar sobre isso, ele tirou os óculos, parou o carro e olhou para mim. Fiquei assustada ao notar o incrivel azul dos olhos dele que não possuiam brilho nenhum. O cabelo preto e a pele incrivelmente branca conferiam-lhe um ar fantasmagórico. Vampiresco. E todos esses detalhes caiam-lhe incrivelmente bem, pois seu rosto era lindo, perfeito.

Eu fiquei tensa. Ele olhava para mim como se quisesse me dizer algo, ou fazer. Antes que eu pudesse fugir do carro, ele trancou as portas, e tão rápido quanto um raio saiu do banco do motorista para sentar-se ao meu lado. Eu não conseguia gritar e nem agredí-lo, e ele nem estava me segurando. Bastava olhar nos olhos dele para me perder em alguma coisa estranha.
Ele foi se aproximando devagar, e aos poucos pude sentir suas mãos frias envolvendo minha cintura e minha nuca. Ele surrou algo para mim, que no meu torpor soou incompreensivel, e então senti os lábios dele acariciando meu pescoço.

- Não posso fazer isso - ele sussurrou. - O que há com você menina? O que você tem que torna tão dificil para mim experimentar seu sangue?

Acordei. Ele me soltou, mas continuou ao meu lado. Sua voz não mais me encantava mas ainda assim me confortava. Quando ele abriu a boca para falar foi que notei suas presas.

- Por que você não se assusta e não grita como as outras? Por que não chora e não implora? O que você tem que a torna tão interessante mas que não me deixa mordê-la?

Algo muito bizarro aconteceu. Como se a partir daquele dia estariamos ligados para sempre.

- Levarei-a até a sua casa, e esperarei até que esteja dormindo. Então irei embora.

Eu precisava de uma explicação, mas eu sabia que ela demoraria a vir. O melhor que eu tinha a fazer era ficar quieta e esperar pelas noites seguintes quando ele me daria carona novamente. Quando ele saiu do meu lado e voltou ao volante, olhou para trás e sorriu para mim. Eu já não me sentia mais assustada ou tensa. Retribui o sorriso.

Quando chegamos na minha casa, ele abriu a porta para mim e esperou eu entrar. Despediu-se de mim, com a mesma cordialidade com que me atendeu na saida do metrô. Já não mais chovia e nem ventava. Enquanto eu arrumava as minhas coisas, ele continuava lá, parado, como se esperasse. Ele estava esperando que eu fosse dormir. Tomei um banho rápido, vesti-me e fui até a janela para vê-lo.

Apaguei a luz do quarto e sentei na minha cama. Acomodei-me, puxei as cobertas e fechei os olhos. Quando estava começando a adormecer ouvi um barulho de carro, e ele estava indo embora. Mas ainda podia sentir suas mãos e sua boca.

Quando o barulho do carro havia desaparecido, eu disse para mim mesma:

- Obrigada, Caim.