terça-feira, 30 de novembro de 2010

Quarta-feira, 3 de novembro de 2010 - Sem Luz.

Sai cedo do trabalho e cheguei em casa logo. Era por volta das 20:00, 20:30. Para minha total surpresa o prédio estava sem luz. Por sorte, eu moro logo no segundo andar, e assim que arrumei as minhas coisas usando a belíssima luz da lua que entrava pelas janelas do meu apartamento, liguei para a portaria para buscar alguém que me informasse qual a previsão para o retorno da energia.

"Não sei, senhorita. Já faz duas horas que estamos sem energia e o gerador do prédio não quer funcionar. Os técnicos já foram acionados e estão à caminho! Ligarei para você assim que tiver novidades!" - foi a única resposta que obtive. Mas tudo bem... O Geoff é um rapaz eficaz e sei que resolverá isso. Aliás, Geoff é o nosso Síndico. Bonito, charmoso e com sotaque irlandês, desejado por todas as solteiras do prédio - tenho uma quedinha por ele, confesso.

Bem, quando me senti pronta para encarar um banho gelado depois de um dia estressante, levantei do sofá, coloquei o telefone no gancho, e comecei a cogitar a idéia de aquecer água no fogão para encher minha banheira. Foi ai que senti o ambiente ao meu redor girar... e me apoiei.

- Nossa, já não basta meu dia estressante, agora tenho que optar por aquecer água e tomar banho de canequinha, ou... encarar um banho frio!
- Você deveria optar pelo banho quente.....

Uma voz que veio do nada, e que eu não esperava ouvir no meio do escuro. Me assustei, meu coração disparou e eu senti o chão sumir sob os meus pés. Me lembro apenas de acordar deitada na minha banheira com a água agradavelmente morna e perfumada. Assim que me recompuz, fitei aquele par de misteriosos olhos azuis, reuni a pouca força que tinha e dei o maior e mais forte tapa no rosto dele.

- Você nunca mais faça isso!
- Ok, ok... Me desculpe! Mas você estava passando mal! Como queria que eu reagisse?
- Como um cara normal que telefona antes de aparecer ou que se faz anunciar na portaria! Aliás, como você entrou aqui, Caim?! Não me lembro de ter lhe dado a chave da minha casa!!!
- Aaaah, o rapazinho da portaria me deixou entrar. Ele pensa que somos namorados ou noivos. Acho que ele gosta de você, hein! Ele sempre fica irritado quando eu venho!
- Você não pode ficar invadindo minha casa desse jeito!
- Já entendi... Na próxima vez você vai me agredir com o telefone?! Hahahaha
- Não tem graça! Mas é que... Espera um pouco... Ei!!! O que você fez comigo?! Cadê minha roupa?!
- Ah, estava demorando! Minha querida, você desmaiou. Resolvi colocá-la em um ambiente relaxante para acalmar seu corpo... Ei, não me olhe com essa cara! Eu não fiz nada!
- Você tirou minha roupa sem minha autorização! Você me...
- Vi sem roupa?! Sim, eu vi. E não esqueça que a peguei no colo também. Sem roupa!
- Aaaah, Caim! Não tem graça!!!
- Ei, ei, ei...! Relaxa! Não fiz nada com você! Não abusei de você nem nada do tipo! E você sabe que não estou mentindo! Pq além de tudo, não teria graça fazer sexo com você se você não correspondesse!
- Oh, meu deus! Você não está ajudando!
- Me desculpa! Não imaginei que você fosse se ofender tanto! Eu só estava brincando! Não quero transar com você!!
- Mentiroso! Caim, você só está piorando as coisas!!!
- Tudo bem, pode ser que eu queira um pouco mas... Não lhe fiz nada que fosse desonroso! Pode confiar! E eu sei que você confia!

O que eu poderia dizer?! Ele tinha razão em tudo. Eu confiava nele e sabia que ele não seria capaz de fazer algo que eu não gostasse. Eu o conhecia há pouco mais de um mês e já sentia uma ligação muito forte com ele. Sinceramente, eu estava curtindo muito a situação!

- Tudo bem, pode ser que eu te perdoe por ter tirado minha roupa e tudo, mas vai ser dificil esquecer que você invadiu minha intimidade!
- Eu já entendi! E já pedi desculpa! Se ajudar, você tem o corpo mais lindo que já pude ver e tocar!
- Não, Caim... Não ajudou.

Pela primeira vez eu o vi acoado. Ele não sabia o que dizer. Eu até já tinha esquecido de perguntar o que ele fazia no meu apartamento. De qualquer forma, ele cuidou de mim. Minha pressão tinha caido muito com o susto que levei quando ele falou comigo no escuro - ela já estava baixa quando sai da loja. Ele me deu algo para comer, ajudou-me a vestir um pijama e me fez companhia a noite toda.

Peguei no sono logo. E a luz não tinha voltado ainda. Antes de ir dormir, eu disse a ele que não iria trabalhar no dia seguinte, pois era minha folga. Eu queria que ele me explicasse algumas coisas, então ele pediu para passar a noite comigo. Quando acordasse eu saberia o que ele estava fazendo na minha casa tão repentinamente!

Lembro-me de fechar os olhos e de adormecer abraçada a ele enquanto conversávamos deitados na minha cama. Eu me sentia segura com ele. Tão logo Morfeu me obrigou a dormir, pude ouvir Caim sussurrar bem baixinho para ele próprio:

- Você realmente tem o corpo mais lindo que eu já pude ver e tocar. Não tenho a menor coragem de machucá-lo...

Ele se inclinou e beijou meus lábios de forma suave e rápida.
Também fechou os olhos, se ajeitou e dormiu.

domingo, 7 de novembro de 2010

Domingo, 3 de outubro de 2010 - A Árvore

Meu dia foi normal. Sem nenhum acontecimento marcante ou bizarro. E a chuva que começou a cair durante a manhã foi a única parte incômoda do dia, pois ela perdurou até o meio da tarde.

Voltando para casa, hoje no fim da tarde por volta das 19:30, deparei-me com uma cena fora de rotina: uma árvore caiu e destruiu parte de duas casas. Eu nunca tinha visto isso, e não me lembro de a chuva ter se transformado em tempestade em qualquer região da cidade; e nem mesmo ventos fortes foram detectados para que as pessoas entrassem em alerta. O que a derrubou então?

Conforme fui me aproximando dos destroços, foi sendo possivel distinguir onde exatamente a árvore tinha cedido, mas era dificil definir se foi coisa da natureza ou do homem. A árvore estava cheia de buracos mas eu não sabia dizer se ela estava podre.

Eu sou muito curiosa. E o fato de uma árvore estar caida sem aparentar podridão é o suficiente para despertar em mim uma curiosidade de dar orgulho à Sherlock Holmes. Eu precisava saber o que tinha acontecido. Eu estava tão curiosa que não notei a noite chegar, não notei a garoa recomeçar, e não notei o bêbado que me observava do outro lado da rua.... até ele gritar para mim.

- Moça! Ei moça! Você não deveria se aproximar dessa árvore! Ela caiu porque é maldita! Você deveria passar por aqui onde estou, é mais seguro!

Olhei para o bêbado, e olhei para a árvore. Olhei para o bêbado novamente e percebi que ele estava sem calça; olhei para a árvore novamente e percebi que haviam morcegos dentro dela. Antes que o bêbado pudesse gritar outra vez, eu já estava caminhando na direção dos morcegos. Cismei que o bêbado ia me seguir. E ele realmente o fez. Tive que parar minha análise sobre a árvore antes do que eu queria para me preocupar em despistá-lo. Para mim, foi tarde demais.

No mesmo instante em que percebi o bêbado me alcançando, um homem pulou na minha frente, me abraçou, me deu um beijo e disse todo feliz:

- Querida! Já estava ficando preocupado! - e olhando para o bêbado, completou: - Quem é você, seguindo minha esposa?

Só não entrei em desespero pois eu só conhecia um homem com uma voz tão aveludada, não muito grave, e muito sedutora. E o toque daquelas mãos frias ao redor da minha cintura me acalmaram. Mais uma vez, e inesperadamente, o Caim aparecia na minha vida.

O bêbado se assustou com o tamanho do Caim, deixou cair sua garrafa de cerveja, fechou a jaqueta, pediu desculpa e saiu correndo - correndo e tropeçando, devo dizer. Caim olhou para mim perguntando se eu estava bem e logo voltou sua atenção para a árvore. Eu entendi que ele já estava por lá antes de eu aparecer.

- Caim, você viu o que derrubou essa árvore? Deve ter sido um vento e tanto!
- Não foi o vento.
- Não? Será então o pessoal da companhia de eletricidade para evitar que os galhos alcancem os fios de energia?
- Não.
- Algum trator desgovernado?
- Não.
- Ah, sei, um dinossauro?! Godzilla?! Frankenstein???
- Não!

Ele não ia me dizer. E pela primeira vez, o vi sério, pensativo. Pela primeira vez ele estava me assustando.

- Caim? Você está me assustando. O que fez isso? Quem fez isso? E esses morcegos?
- Os morcegos moram ai e não pretendem sair... Faremos o seguinte, vou te levar até sua casa, e ficarei por lá pelo menos pelos próximos dias.
- Você vai ficar na minha casa?! A troco de quê?
- Segurança.
- Segurança contra o quê? Contra quem?!

Ele ficou em silêncio, me puxou pela mão e viemos andando até minha casa.

São 01:32 da madrugada do dia 4.
Caim está dormindo no meu quarto de hóspedes, mas eu sei que o sono dele é um sono alerta.

E ele ainda não me diz o que está acontecendo.
Só sei que enquanto ele está por perto, eu me sinto protegida e bem.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Segunda-feira, 27 de setembro de 2010 - O Husky

Sai tarde do trabalho. Tarde quero dizer madrugada. Ao invés de pegar um ônibus para chegar em casa, optei por ir a pé mesmo. Meu dia havia sido bom: bom do tipo que traz a sensação de que nada ruim vai acontecer por um tempo; logo eu não tinha nada a temer.

Não estava frio nem quente. Havia um vento forte mas que não era gelado. A rua estava deserta, iluminada apenas pela luz dos prédios e casas de pessoas sem sono perdendo minutos das suas vidas assistindo televisão, falando ao telefone, cozinhando - ou quem sabe até transando. De vez em quando podia-se ver um morcego voando entre as árvores, e voava tão baixo que dava a impressão de que pousaria na minha cabeça.

O céu estava carente de estrelas. Embora fosse possível distinguir uma ou outra, não dava para ver as constelações. O único vestígio da lua era o brilho dela que tentava superar a densidade das nuvens que cobriam o céu, dando a ele um tom alaranjado, sobrenatural. Havia também um pouco de neblina que dificultava enxergar o topo dos prédios ou o fim da rua.

Era o cenário perfeito para um caso sombrio de Sherlock Holmes.
Ou, o momento ideal para que um lobisomen aparecesse de tocaia.

Minha mente começou a imaginar muitas coisas e situações que uma rua de aspecto sombrio e clima propicio poderia proporcionar. Eu estava tão perdida nas minhas idéias que nem percebi estar sendo seguida. Foi apenas quando eu estava chegando no prédio que resolvi olhar ao meu redor para atravessar a rua que eu o vi atrás de mim.

Ele era enorme. Parecia ser maior que um lobo. Seu pêlo era meio preto e acinzentado, e lindo, muito bem cuidado. Seus olhos brilhavam e transmitiam carinho, segurança. Sua expressão era séria, como se me repreendesse por andar sozinha e tão distraida tarde da noite. Era o maior e mais assustador husky siberiano que eu já tinha visto. Eu não me lembrava de algum dos meus vizinhos - tanto no prédio como nas casas ao redor - possuir um husky. E ele não tinha coleira ou identificação alguma. Fiquei muito tentada a me aproximar dele e levá-lo para casa, mas ao mesmo tempo que me atraia, ele me afastava. Ao mesmo tempo que ele parecia querer ficar perto de mim, ele queria me observar longe.

Eu não percebi um grupo de rapazes embriagados se aproximando de nós. O husky os sentiu antes de mim, e como que me alertando começou a rosnar para mim e a andar na minha direção apontando o meu prédio com o focinho. Chegamos na portaria, eu entrei e o husky se virou e foi embora. Não houve tempo para fazer um carinho de agradecimento sequer. O caminho todo, da portaria até o meu apartamento, eu não tirava o husky da minha cabeça. Fiquei imaginando de onde ele veio, e para onde ele estaria indo, e por que ele tinha cismado comigo.

Deitada na cama, com Morfeu forçando meu sono, a imagem do husky veio na minha cabeça tão nitida como se ele estivesse no quarto comigo. Então tudo fez sentido e um calafrio percorreu o meu corpo pois junto com a imagem do husky, veio a imagem do Caim.

Assim como os de Caim, os olhos do husky eram azuis. E possuiam um brilho que eu só tinha visto nos olhos do próprio Caim.

domingo, 31 de outubro de 2010

Domingo, 26 de setembro de 2010 - Breve nota sobre um breve encontro.

Andando pela rua durante a manhã, a caminho do trabalho, eu já estava pensando em ir para casa. Eu já estava imaginando o meu retorno ao meu novo apartamento que eu estava amando decorar, pois era quase uma terapia. Eu estava chegando no metrô quando o vi.

Cerca de 1,85m. Cabelos curtos e pretos, num comprimento perfeito para se puxar. Corpo magro, mas não muito - um pouco forte eu diria. Pele clara, um rosto marcante, perfeito. Não tinha barba, possuia lábios finos e olhos azuis - incrivelmente azuis. Seu jeito de andar chamava a atenção. Ele era interessante, um homem charmoso e incrivelmente sedutor. Usava terno preto, e por baixo uma camisa de cor vinho, quase sangue.

Caim passou do meu lado, sorriu para mim me cumprimentando, mas continuou a andar. Eu, por outro lado, fiquei tão aturdida com essa visão que fiquei parada na calçada, como que admirando o vazio. Olhei para trás, e ele olhou também fazendo um aceno com o braço, o qual retribui. Ele percebeu meu embaraço, e pela segunda vez, enrubesci pensando nele.

Não poderia ser o mesmo motorista de táxi que eu só tinha visto - até então - duas vezes na minha vida, mas que já fazia parte dela como se nos conhecessemos há séculos.

sábado, 30 de outubro de 2010

Quinta-feira, 23 de setembro de 2010 - Reencontro

Sai do trabalho cansada, desmotivada e sem rumo. Não queria ir para a casa. Na verdade, eu não queria ir para a casa da minha mãe, pegar minhas coisas e levar para meu apartamento novo - eu nem tinha transporte adequado para isso! Foi chutando pedrinhas na calçada e absorta em meus devaneios que nem percebi o carro que me seguia. Era um táxi.


Quando o farol fechou e fui atravessar, o motorista do táxi buzinou e "piscou" para mim com os faróis do carro. Como reconheci o Caim em meio a tantos pensamentos, ainda me é um mistério. Acenei para ele, e como o carro estava vazio, entrei.


- Não é muito cedo para você dirigir?
- Não, porque diz isso? Ah, aliás, boa tarde para você também!
- São 16:00! Como você sai à luz do dia por ai?
- O que quer dizer?
- Você é um Vampiro.
- Ah, eu sou?
- Sim é. Tentou me morder uma outra noite, não foi? Ou você é um Vampiro ou é tipo... Um "wannabe" de Vampiro!!
- Se você diz que eu sou...
- Não tenho medo de você!
- É, noto isso. Fico contente que tenha algum tipo de afeto por mim a ponto de não me temer!
- Não sinto afeto por você! Deus, você é um Vampiro, como posso ter afeto por um morto vivo?!
- Ah, não sente afeto mas gosta de estar no meu carro!
- Bem, não é todo dia que se conhece um Vampiro que dirige um táxi! Um Vampiro que anda durante o dia, ainda! Você não pode ser um Vampiro!
- Você disse que eu sou.
- Mas não pode ser, Vampiros não andam durante o dia! Mas você bem que se parece com um...
- E então, já decidiu o que eu sou?
- Não. O que você é?


Ele não me respondeu, e limitou-se apenas a sorrir. A nossa discussão sobre o que ele era continuou até a casa da minha mãe.


- Como sabe que eu vinha até aqui?
- Bem, foi o endereço que você me deu naquela noite.
- Você me segue???
- Não. Mas posso segui-la se quiser.
- Se me seguir, eu chamo a policia.
- Não, não chama.


Eu não chamaria, e ele sabia. Desci do táxi, entrei na casa da minha mãe e peguei algumas caixas. Caim me ajudou a guardá-las no porta-malas, e levou-me para meu novo endereço, que nem era tão longe dali. Quando me dei conta, minha mão estava sangrando um pouco. Devo ter me machucado em uma das caixas. Felizmente não era algo grave, então o sangue não chegou a escorrer tanto. Quando chegamos ao meu apartamento, ele me ajudou com as caixas até a sala, e antes de ir embora retomamos a discussão do começo da tarde.


- Posso?
- O que?
- Cuidar desse machucado para você.
- Não é nada grave, mas obrigada. Devo ter arranhado em alguma caixa.
- Entendo.
- Não me olhe assim! É só um arranhão, nem sangrou muito! Vire esses olhos para lá, parece que quer me devorar!
- De certa forma... Eu bem que fico tentado.
- Oh meu deus! E você diz que não é um Vampiro!
- Não, você diz que eu sou um Vampiro.
- Você quer me comer! Você quer meu sangue!
- Quero, não nego.
- Viu como você é um Vampiro?
- Eu disse que quero, mas você sabe que não consigo.
- Se fosse um Vampiro, já teria me matado naquela noite.
- Sim. Mas não consegui.
- Por que?
- Você me entriga. E eu não sei porque. Mas eu vou descobrir.
- Você vai me morder um dia?
- Você quer que eu morda?


Enrubesci. Desde o nosso primeiro encontro, eu fantasio com a sensação de tê-lo mordendo meu pescoço. Ele riu vendo meu embaraço, aproximou-se, e com sua mão gélida como mármore segurou meu queixo. Eu não conseguia me mover, era como um transe observar aqueles olhos azuis tão claros. Por um momento achei que ele ia me beijar. Mas ao invés disso, sabendo com certeza que iria me provocar, beijou meu pescoço. Lábios frios como gelo que arrepiaram toda a minha nuca enquanto eu esperava uma mordida que nunca veio.


Ele sorriu mais uma vez, despediu-se e partiu.
E eu fiquei ali, parada, no meio da sala. Vampiro ou não, Caim era algo mais do que um simples motorista de táxi.

Quarta-feira, 22 de setembro de 2010, Caim

Saí do metrô, olhei para o relógio e vi que já era quase 1:30 da madrugada. O calor que havia feito o dia todo tinha desaparecido completamente, e uma garoa fina trouxe uma leve neblina e um frio denso. Eu não tinha guarda-chuva e nem um casaco. A última coisa que eu queria era cair de cama, doente, por causa de uma mudança climática bizarra.

Avistei um táxi e fiz um sinal rezando para todos os deuses que estivesse vazio. O motorista estacionou ao meu lado, saiu do táxi, olhou para mim, sorriu e me disse:

- Senhorita, por favor.

Ele abriu a porta do carro para que eu entrasse, com um cavalheirismo assustador para o século XXI! Sentei no banco de trás, oposto ao do motorista. Ele fechou a porta, deu a volta, sentou ao volante e fechou a própria porta.

- E então, para onde posso levá-la? Gostaria de ouvir um pouco de música?

Dei o endereço e aceitei a música. Tanta cordialidade estava começando a me assustar. Ele ainda perguntou se eu tinha alguma objeção com músicas eruditas, e eu disse que não havia problema nenhum. A garoa transformou-se em chuva grossa, quase tempestade. E o vento havia piorado.

- A senhorita teve sorte por eu ter aparecido na hora em que a garoa se transforma em chuva!
- Sim, dei! Obrigada por estar acordado a essa hora! Foi muita sorte encontrá-lo e ainda sem passageiros!
- Não precisa agradecer! Sou um cavalheiro da noite! É meu trabalho levar as pessoas ao seu destino final!

Comecei a pensar comigo mesma que a situação era estranha. A rua estava muito escura, a chuva piorava a visibilidade, e o taxista ainda usava óculos escuro. Fora a melodiosa música, e a cordialidade fora de época dele.

- Desculpe senhor, mas nem pergutei seu nome para agradecê-lo apropriadamente!
- Meu nome? Lhe darei um cartão meu, assim pode me ligar sempre que precisar de um táxi para os horários mais impróprios!
- Sim, por favor!

Era meio esquisito estar naquele táxi, mas eu me sentia bem. Tão bem que eu nem me recordava mais da chuva do lado de fora do carro. O motorista me deu o cartão, e nele tinha apenas um nome e um telefone. Não havia o nome da empresa para a qual ele trabalhava.
Antes que eu pudesse questionar sobre isso, ele tirou os óculos, parou o carro e olhou para mim. Fiquei assustada ao notar o incrivel azul dos olhos dele que não possuiam brilho nenhum. O cabelo preto e a pele incrivelmente branca conferiam-lhe um ar fantasmagórico. Vampiresco. E todos esses detalhes caiam-lhe incrivelmente bem, pois seu rosto era lindo, perfeito.

Eu fiquei tensa. Ele olhava para mim como se quisesse me dizer algo, ou fazer. Antes que eu pudesse fugir do carro, ele trancou as portas, e tão rápido quanto um raio saiu do banco do motorista para sentar-se ao meu lado. Eu não conseguia gritar e nem agredí-lo, e ele nem estava me segurando. Bastava olhar nos olhos dele para me perder em alguma coisa estranha.
Ele foi se aproximando devagar, e aos poucos pude sentir suas mãos frias envolvendo minha cintura e minha nuca. Ele surrou algo para mim, que no meu torpor soou incompreensivel, e então senti os lábios dele acariciando meu pescoço.

- Não posso fazer isso - ele sussurrou. - O que há com você menina? O que você tem que torna tão dificil para mim experimentar seu sangue?

Acordei. Ele me soltou, mas continuou ao meu lado. Sua voz não mais me encantava mas ainda assim me confortava. Quando ele abriu a boca para falar foi que notei suas presas.

- Por que você não se assusta e não grita como as outras? Por que não chora e não implora? O que você tem que a torna tão interessante mas que não me deixa mordê-la?

Algo muito bizarro aconteceu. Como se a partir daquele dia estariamos ligados para sempre.

- Levarei-a até a sua casa, e esperarei até que esteja dormindo. Então irei embora.

Eu precisava de uma explicação, mas eu sabia que ela demoraria a vir. O melhor que eu tinha a fazer era ficar quieta e esperar pelas noites seguintes quando ele me daria carona novamente. Quando ele saiu do meu lado e voltou ao volante, olhou para trás e sorriu para mim. Eu já não me sentia mais assustada ou tensa. Retribui o sorriso.

Quando chegamos na minha casa, ele abriu a porta para mim e esperou eu entrar. Despediu-se de mim, com a mesma cordialidade com que me atendeu na saida do metrô. Já não mais chovia e nem ventava. Enquanto eu arrumava as minhas coisas, ele continuava lá, parado, como se esperasse. Ele estava esperando que eu fosse dormir. Tomei um banho rápido, vesti-me e fui até a janela para vê-lo.

Apaguei a luz do quarto e sentei na minha cama. Acomodei-me, puxei as cobertas e fechei os olhos. Quando estava começando a adormecer ouvi um barulho de carro, e ele estava indo embora. Mas ainda podia sentir suas mãos e sua boca.

Quando o barulho do carro havia desaparecido, eu disse para mim mesma:

- Obrigada, Caim.