sábado, 30 de outubro de 2010

Quarta-feira, 22 de setembro de 2010, Caim

Saí do metrô, olhei para o relógio e vi que já era quase 1:30 da madrugada. O calor que havia feito o dia todo tinha desaparecido completamente, e uma garoa fina trouxe uma leve neblina e um frio denso. Eu não tinha guarda-chuva e nem um casaco. A última coisa que eu queria era cair de cama, doente, por causa de uma mudança climática bizarra.

Avistei um táxi e fiz um sinal rezando para todos os deuses que estivesse vazio. O motorista estacionou ao meu lado, saiu do táxi, olhou para mim, sorriu e me disse:

- Senhorita, por favor.

Ele abriu a porta do carro para que eu entrasse, com um cavalheirismo assustador para o século XXI! Sentei no banco de trás, oposto ao do motorista. Ele fechou a porta, deu a volta, sentou ao volante e fechou a própria porta.

- E então, para onde posso levá-la? Gostaria de ouvir um pouco de música?

Dei o endereço e aceitei a música. Tanta cordialidade estava começando a me assustar. Ele ainda perguntou se eu tinha alguma objeção com músicas eruditas, e eu disse que não havia problema nenhum. A garoa transformou-se em chuva grossa, quase tempestade. E o vento havia piorado.

- A senhorita teve sorte por eu ter aparecido na hora em que a garoa se transforma em chuva!
- Sim, dei! Obrigada por estar acordado a essa hora! Foi muita sorte encontrá-lo e ainda sem passageiros!
- Não precisa agradecer! Sou um cavalheiro da noite! É meu trabalho levar as pessoas ao seu destino final!

Comecei a pensar comigo mesma que a situação era estranha. A rua estava muito escura, a chuva piorava a visibilidade, e o taxista ainda usava óculos escuro. Fora a melodiosa música, e a cordialidade fora de época dele.

- Desculpe senhor, mas nem pergutei seu nome para agradecê-lo apropriadamente!
- Meu nome? Lhe darei um cartão meu, assim pode me ligar sempre que precisar de um táxi para os horários mais impróprios!
- Sim, por favor!

Era meio esquisito estar naquele táxi, mas eu me sentia bem. Tão bem que eu nem me recordava mais da chuva do lado de fora do carro. O motorista me deu o cartão, e nele tinha apenas um nome e um telefone. Não havia o nome da empresa para a qual ele trabalhava.
Antes que eu pudesse questionar sobre isso, ele tirou os óculos, parou o carro e olhou para mim. Fiquei assustada ao notar o incrivel azul dos olhos dele que não possuiam brilho nenhum. O cabelo preto e a pele incrivelmente branca conferiam-lhe um ar fantasmagórico. Vampiresco. E todos esses detalhes caiam-lhe incrivelmente bem, pois seu rosto era lindo, perfeito.

Eu fiquei tensa. Ele olhava para mim como se quisesse me dizer algo, ou fazer. Antes que eu pudesse fugir do carro, ele trancou as portas, e tão rápido quanto um raio saiu do banco do motorista para sentar-se ao meu lado. Eu não conseguia gritar e nem agredí-lo, e ele nem estava me segurando. Bastava olhar nos olhos dele para me perder em alguma coisa estranha.
Ele foi se aproximando devagar, e aos poucos pude sentir suas mãos frias envolvendo minha cintura e minha nuca. Ele surrou algo para mim, que no meu torpor soou incompreensivel, e então senti os lábios dele acariciando meu pescoço.

- Não posso fazer isso - ele sussurrou. - O que há com você menina? O que você tem que torna tão dificil para mim experimentar seu sangue?

Acordei. Ele me soltou, mas continuou ao meu lado. Sua voz não mais me encantava mas ainda assim me confortava. Quando ele abriu a boca para falar foi que notei suas presas.

- Por que você não se assusta e não grita como as outras? Por que não chora e não implora? O que você tem que a torna tão interessante mas que não me deixa mordê-la?

Algo muito bizarro aconteceu. Como se a partir daquele dia estariamos ligados para sempre.

- Levarei-a até a sua casa, e esperarei até que esteja dormindo. Então irei embora.

Eu precisava de uma explicação, mas eu sabia que ela demoraria a vir. O melhor que eu tinha a fazer era ficar quieta e esperar pelas noites seguintes quando ele me daria carona novamente. Quando ele saiu do meu lado e voltou ao volante, olhou para trás e sorriu para mim. Eu já não me sentia mais assustada ou tensa. Retribui o sorriso.

Quando chegamos na minha casa, ele abriu a porta para mim e esperou eu entrar. Despediu-se de mim, com a mesma cordialidade com que me atendeu na saida do metrô. Já não mais chovia e nem ventava. Enquanto eu arrumava as minhas coisas, ele continuava lá, parado, como se esperasse. Ele estava esperando que eu fosse dormir. Tomei um banho rápido, vesti-me e fui até a janela para vê-lo.

Apaguei a luz do quarto e sentei na minha cama. Acomodei-me, puxei as cobertas e fechei os olhos. Quando estava começando a adormecer ouvi um barulho de carro, e ele estava indo embora. Mas ainda podia sentir suas mãos e sua boca.

Quando o barulho do carro havia desaparecido, eu disse para mim mesma:

- Obrigada, Caim.

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